Menu do almoço oferecido a Suas Majestades
Informação não tratada arquivisticamente.
Nível de descrição
Documento simples
Código de referência
PT/BPARJJG/AL/CMHRT/192
Tipo de título
Atribuído
Título
Menu do almoço oferecido a Suas Majestades
Datas de produção
1901-06
a
1901-06
Dimensão e suporte
1 documento, papel.
História administrativa/biográfica/familiar
Um dos acontecimentos mais importantes para o arquipélago foi a visita régia, em 1901, de D. Carlos I e D. Amélia de Orleães às chamadas ilhas adjacentes, como eram constitucionalmente referidos os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Esse evento perdura na memória coletiva dada a sua singularidade, uma vez que estes foram os primeiros e únicos monarcas (em funções) do país a visitar oficialmente os Açores.Inicialmente pairava a dúvida relativamente à concretização desta visita. Foi na edição de 29 de outubro de 1900 que o periódico micaelense Diário dos Açores, na secção “Serviço Telegraphico”, mencionava a possível visita dos monarcas às ilhas: “O sr. conselheiro Hintze Ribeiro apresentará ás câmaras o projecto de installação de serviços meteorológicos nos Açores, constando que a inauguração será feita por el-rei”. A confirmação oficial veio a público na edição de 17 de novembro: “Nenhuma duvida existe já a respeito d´esta visita. (…) Para a excursão de suas magestades está já traçado o itinerário. O rei e a rainha, acompanhados de comitiva em que incorporarão, alem de damas de honor, o sr. Ministro das obras públicas, a cujo ministério se prende a inauguração do posto meteorológico, e o sr. presidente de ministros conselheiro Hintze Ribeiro, virão da Madeira, directamente ao Fayal.”Embora declaradamente planeada no escopo da inauguração do Serviço Meteorológico dos Açores, que funcionou de 1901 a 1946, vindo a contar com uma rede de quatro observatórios (Observatório Afonso Chaves em Ponta Delgada, Observatório José Agostinho em Angra do Heroísmo, Observatório Príncipe Alberto do Mónaco na Horta e Observatório de Santa Cruz das Flores), a que acresceram estações para estudos climáticos no Pico e um Observatório Magnético e Sismológico na Fajã de Cima, a visita dos monarcas aos arquipélagos representava uma tentativa de recuperar a popularidade da Casa Real, em declínio após o episódio do Ultimato Britânico (1890), da crise económica e do crescimento das ideias republicanas e socialistas no país. Em dezembro de 1900, as autoridades insulares foram notificadas oficialmente sobre a intenção dos monarcas de visitar as ilhas. Os preparativos começaram imediatamente e a viagem foi recebida com grande entusiasmo pelas populações locais.No final de junho e início de julho de 1901, os monarcas visitaram os arquipélagos da Madeira e dos Açores, numa esquadrilha composta pelos cruzadores D. Carlos, D. Amélia e S. Gabriel, e pelo iate Amélia III. A bordo do cruzador protegido D. Carlos (à época, o mais poderoso do mundo, e o primeiro navio da Marinha Portuguesa a dispor de telecomunicações sem fios), aportaram a 22 de junho ao Funchal, na Madeira, onde se demoraram dois dias, partindo para os Açores a 24 de junho. Aqui, a visita régia começou pela ilha de Santa Maria (27 de junho), seguindo-se as ilhas do Faial e do Pico (28 de junho a 1 de julho), Graciosa (2 de julho), da Terceira (2 a 4 de julho), encerrando-se na ilha de São Miguel (de 4 a 11 de julho), de onde regressaram a Portugal continental. No FaialOs reis de Portugal chegaram à Horta a 28 de junho de 1901 e com eles uma vasta comitiva que incluía o chefe do Governo, o micaelense Hintze Ribeiro, o ministro da Marinha e do Ultramar, Teixeira de Sousa, o marquês do Faial, os condes da Ribeira, d’Arnoso e de Tarouca e o ex-deputado pelo círculo da Horta, o florentino João Joaquim André de Freitas. Tendo entrado na baía pelas 8h30, a esquadrilha foi acompanhada pela canhoneira Sado, que fora ao seu encontro, e por uma "elegante flotilha de mais de oitenta canoas baleeiras, dispostas em duas longas filas" (GOULART, 1902:9). O desembarque do cruzador D. Carlos foi efetuado por uma galeota pelas 10h, e a receção teve lugar no pavilhão montado e decorado para a ocasião no cais de Santa Cruz, onde se encontravam autoridades civis, militares e eclesiásticas. O cortejo que daí partiu em direção à Igreja Matriz, seguindo pela Rua Vasco da Gama, atravessou três arcos triunfais: o dos baleeiros do Pico e do Faial, em Santa Cruz, à entrada da cidade; o da Câmara Municipal, no Largo do Castelo de Santa Cruz; e o dos funcionários da Deutsch-Atlantische Telegraphengesellschaft, a companhia alemã de cabos telegráficos submarinos, no Largo Infante D. Henrique, ostentando o dístico "WILLKOMEN".Prosseguindo pela Rua do Colégio (antiga Rua de São Francisco, atuais Conselheiro Medeiros e Walter Bensaúde), o cortejo chegou ao seu destino. Na Igreja Matriz foi executado um Te Deum. D. Carlos e D. Amélia foram acomodados no edifício do antigo Colégio dos Jesuítas, assim transformado em Paço Real, sendo instaladas, no corpo Norte, a sala do trono, a sala de jantar, a copa e as cozinhas; e, no corpo Sul, os quartos dos monarcas, ministros e restante comitiva; e, no piso inferior, "todos os empregados menores do Real Palácio" (GOULART, 1902:18). Seguiu-se uma receção solene na sala do trono pelas 14h, onde teve lugar o beija-mão, e, pelas 17h, uma "garden party" nos jardins da Fredonia, oferecida pela colónia estrangeira das companhias de cabos telegráficos submarinos: Europe & Azores, Commercial Cable e Deutsch-Atlantisch. À noite, realizou-se, nos salões da Sociedade Amor da Pátria, um baile oferecido pelo Governador Civil do Distrito, seguido de ceia. No segundo dia da visita (29 de junho), após a missa matinal seguiu-se uma visita aos vasos de guerra estrangeiros ancorados na baía, e uma regata em honra de Suas Majestades, na qual se destacaram as corridas de canoas baleeiras. Depois do almoço, foi efetuada uma visita aos Grandes Armazens Fayalenses, de Caetano & Pacheco, os quais ofereceram a Suas Majestades uma delicada peça de artesanato faialense, em miolo de figueira. Seguidamente, a comitiva dirigiu-se para o Monte das Moças, lugar onde ocorreu a colocação da pedra fundamental do Observatório Meteorológico da Horta. Seguiu-se uma breve visita ao Asylo da Infancia Desvalida, (oficialmente Asylo do Infante o Senhor D. Luís), nas dependências do antigo Convento de São Francisco. De lá, a comitiva fez um passeio à Estrada da Caldeira, tendo descansado, no regresso à cidade, no Palacete do Pilar, onde foi oferecido um copo de água em homenagem aos soberanos, animado por músicas executadas pelas filarmónicas e por fogos de artifício. O dia encerrou-se com um jantar de gala, na Sala Grande do Paço Real. A visita ao Capelo e o almoço régio na casa do farolNo terceiro dia (30 de junho), após a missa matinal, passando bastante das 10h, Suas Majestades e comitiva saíram para uma visita e almoço no Capelo. Nas localidades ao longo do percurso tiveram contacto com a população rural, que se manifestou efusivamente. O almoço, enquadrado na visita às obras de construção do Farol da Ponta dos Capelinhos (1894-1903), teve lugar na casa do farol e foi oferecido pela Câmara Municipal da Horta. Tratou-se de um evento mais informal, cuja ementa integrou pratos portugueses, iguarias e produtos locais, destacando-se a abundância das carnes e dos peixes, a qualidade dos vinhos, e os doces, características de uma dieta mais variada das classes privilegiadas. O menu deste almoço apresenta-se manuscrito em português, com três fotografias impressas, do farol e suas imediações. Os de Suas Majestades tinham desenhos a bico-de-pena, de autoria de José Luís de Lemos (GOULART, 1902:48-50). Da ementa servida, constam os seguintes pratos: "Cracas | Canja de galinha | Peixe com molho d'Alcaparras | Redondos de vacca com tuberas | Guisado de frangos a portuguesa | Salada de Lagosta | Peru assado com molho de trufas | Salada melee | Puding diplomatico | Ovos reais, manjar real e doces sortidos | Vinhos: do Pico, Madeira, Porto e Champagne".Das iguarias locais, destacam-se as cracas, crustáceos comuns nas rochas das costas açorianas que são cozinhados em água do mar e servidas, ainda hoje, como entrada regional. Observe-se que, por se tratar de uma refeição de carácter mais informal, foi servida a Canja de galinha, uma exigência à mesa da Família Real desde os tempos da Rainha D. Maria Pia e que D. Carlos não dispensava, tal como o seu pai. Preparada com arroz branco era servida no Real Paço de Vila Viçosa, e fora servida, durante a Visita Régia, no almoço no Real Paço do Funchal, a 22 de junho de 1901, sob a designação, no menu, de “Potage de poule à la Reine”. No iate Amélia III, a sopa de galinha era um prato recorrente.No tocante ao Peixe cozido com molho de alcaparras, há semelhança com um prato do receituário gastronómico de Cascais, onde o peixe cozinhado é a pescada. Este prato encontra-se referido no respetivo receituário, como um original de 1903 da família Possolo, e que se preserva até à década de 1950, constando na ementa diária do elegante e aristocrático Club da Parada, fundado em 1879, frequentado pelo monarca. A Salada de lagosta, servida no almoço do Capelinhos, poderá ser semelhante às servidas na época, no continente, na mesa da Família Real, em diversas ocasiões. Na obra Culinária Portuguesa, de António de Oliveira Bello, publicada pela primeira vez nos anos 1930 do século XX, encontra-se uma receita de Salada de lagosta à moda de Cascais. Contudo, o grande destaque na mesa real é o assado, sobretudo o peru ("Dindon Rôti"), aqui servido com molho de trufas, embora muito comumente servido com outras guarnições em várias ocasiões, inclusive a bordo e durante esta viagem.No que se refere às sobremesas servidas, os Ovos reais merecem especial destaque por se tratar de um doce frequentemente servido em banquetes e nas mesas das famílias, em particular durante as celebrações pascais, remontando a sua origem ao século XII. Embora não se tenham encontrado em outras ementas da Família Real, há referências a esta especialidade confecionada pelas monjas franciscanas do convento de Santa Clara, de Amarante, encomendadas pela antiga aristocracia de Entre o Douro e o Minho. Também os Ovos reais surgem como um doce do Convento da Madre de Deus de Monchique, em Miragaia (Porto), assim como dos mosteiros micaelenses. De acordo com FELGUEIRAS (2018:429), “No Convento de Santo André, de Ponta Delgada, a maneira como as religiosas os manipulava foi recolhida pelo Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde, na obra Etnografia, Arte e Vida Antiga dos Açores”.Quanto ao Manjar real, presente na cozinha dos grandes banquetes desde a época seiscentista, é referido no receituário de vários conventos e comunidades religiosas. Plantier e João da Mata incluem esta iguaria nas suas obras, sendo que o segundo a apresenta como uma versão portuguesa, descrevendo passo a passo a sua confeção, cujo preparo é à base de galinha, miolo de pão, amêndoa e açúcar.Após o almoço, teve lugar a inauguração do Posto Semafórico dos Capelinhos por Suas Majestades (GOULART, 1902:50). Donativo régio“Suas Majestades mandaram entregar ao Sr. Visconde de Leite Perry, illustre Governador Civil do districto da Horta, a importancia de 1:250$000 réis para S. Ex.ª distribuir como lhe aprouvesse.Teve a seguinte applicação:Hospital da Santa Casa da Misericordia……......................625$000Asylo da Mendicidade………………………............................200$000Asylo da Infancia…………………........................................200$000Projectada Cozinha Economica………….............................100$000Para os pobres que por occasião da visita regia apresentaram petições a Suas Majestades……125$000Somma…................................................................….1:250$000” (GOULART, 1902:56)ConclusãoÀs 22h30 de 30 de junho, Suas Majestades embarcavam no Cais de Santa Cruz para o cruzador D. Carlos. Pelas 5h do dia seguinte, a Divisão Naval levantava ferros, acompanhada pelos cruzadores britânicos HMS Australia e HMS Severn, rumo à ilha Graciosa. Apesar da crescente contestação – política, económica e social – à monarquia, nomeadamente desde o Ultimato Britânico de 1890, e mesmo diante dos elevados custos envolvidos na organização da viagem, a importância de que se revestiu um evento deste porte contribuiu para uma grande divulgação e reconhecimento para os arquipélagos, bem como para o reforço da unidade nacional. Adicionalmente, a visita representou uma oportunidade para as ilhas mostrarem as suas capacidades e valias, bem como as suas carências.Embora um fio condutor para uma reconstrução deste episódio em termos de história local seja GOULART (1902), a imprensa local deu amplo destaque ao mesmo, do mesmo modo que nas demais ilhas nos Açores e na Madeira, permitindo compreender melhor as múltiplas facetas das instituições, economia e sociedade, à época, nas chamadas ilhas adjacentes. Para ler mais...“A reconstituição histórica da visita Régia”. In Açorianíssima. Ponta Delgada, Açorianíssima, Publicações e Artes Gráficas, Lda., jul. 2001. pp. 60-62.“Bandas fayalenses”. In O Açoreano Liberal. Angra do Heroísmo, ano 1, n.º 12 (11 jun. 1901), p. 3, col. 1.CÂNDIDO, Guida (2021). “‘Foi servida a suas majestades uma lauta ceia’: manjares da visita régia aos Açores em 1901”. In CHAVES, Duarte Nuno (coord.), “Viagens à volta da mesa nas ilhas da Macaronésia - Itinerários turísticos do património gastronómico e vinícola”. Ponta Delgada, Letras Lavadas.“Comemoração do I Centenário da visita Régia aos Açores”. In Açorianíssima. Ponta Delgada, Açorianíssima, Publicações e Artes Gráficas, Lda., ago. 2001. p. 47. “Comemorações do 1.º Centenário da Visita Régia aos Açores”. In Açorianíssima. Ponta Delgada, Açorianíssima, Publicações e Artes Gráficas, Lda., jun. 2001. p. 5.CORDEIRO, Carlos Alberto da Costa (2001). “Nos bastidores da visita régia”. In Insulana. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. pp. 5-18.FELGUEIRAS, Guilherme (2018). Portugal Lambareiro. Doçaria conventual, caseira e especialidades regionais. Receitas de A a Z. Maia, Círculo de Leitores. p. 429.GOULART, Osório (1902). Album da Visita Real à ilha do Fayal. Lisboa, Imprensa Nacional.MARTINS, Elsa (2001). “A visita Régia aos Açores”. In Atlântida, vol. 46. pp. 85-99.NOBRE, Eduardo Justo. “A visita régia à Madeira e aos Açores”. In Notícias Magazine. Lisboa, Diário de Notícias. p. 22-29.RODRIGUES, Henrique de Aguiar Oliveira (2001). “A visita régia em dois registos”. In Insulana. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. pp. 57-70.SILVA, Susana Serpa (2001). “Achegas para outras leituras da visita régia ao arquipélago dos Açores”. In Insulana. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. pp. 19-56.Visita régia aos Açores. Angra do Heroísmo, Tip. Minerva da União, 1901.
Âmbito e conteúdo
Menu do almoço oferecido pela Câmara Municipal de Horta ao rei D. Carlos e à rainha D.ª Amélia, nos Capelinhos, no dia 1901-06-30:cracas,canja de galinha,peixe cozido com molho de alcaparras,redondos de vaca com tuberas,guisado de frango à portuguesa,salada de lagosta,peixe assado com molho de trufas,salada mêlée,perdiz diplomática,ovos reais, manjar real e doces sortidos,vinhos: do Pico, Madeira, Porto, Champagne.
Condições de acesso
Comunicável.
Cota atual
C3.
Idioma e escrita
Português.
Características físicas e requisitos técnicos
Estado de conservação: regular.
Publicador
l.sousa
Data de publicação
27/06/2024 15:07:10